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13 de janeiro de 2013
Artur Xexéo escreve sobre “as desventuras de Pi” no Globo

Reprodução da coluna do Xexéo na Revista O Globo de hoje. Ele explica bem a história do plágio atribuído ao Yan Martel ao lançar “A vida de Pi”, copiada de “Max e os felinos” de Moacyr Scliar.

AS DESVENTURAS DE PI
Artur Xexéo

Torcia para que “As aventuras de Pi”— o filme que, originalmente, se chama “The life of Pi”, mas recebeu este estranho título no Brasil — fosse uma produção de poucas qualidades. Nada contra seu diretor, Ang Lee, cineasta que já me deu muito prazer no cinema. Mas um filme bom, tirado do romance “A vida de Pi”, traria mais alguns trocados para seu autor, Yann Martel, e isso me deixa irritado. Faturar em cima da ideia alheia não é das atitudes mais bonitas que estão por aí. Por isso, torcia para que “As aventuras de Pi” fosse ruim, não fizesse sucesso e não aumentasse a conta bancária de Martel.

É ruim que Ang Lee não faça um bom filme. “As aventuras de Pi” não é a melhor obra do diretor de “O segredo de Brokeback Mountain”, “Razão e sensibilidade” e “O banquete de casamento”. Também não é o pior filme do autor de “Hulk”, “O tigre e o dragão” e “Aconteceu em Woodstock”. “As aventuras de Pi” está ali no meio, junto com “Comer, beber, viver” e “Desejo e perigo”. É um pouco verborrágico — a estrutura do roteiro segue a estrutura do romance, em que há um narrador —, talvez um pouco longo — o epílogo se prolonga mais do que necessário — e, certamente, deslumbrado com as possibilidades do 3D. Mas é irresistível.

O que interessa mesmo, a convivência do jovem indiano Pi com um tigre de bengala, num bote salva-vidas, após um naufrágio, é muito bem filmado e deixa o espectador com medo de piscar os olhos e perder alguma coisa. É aí que eu começo a me irritar de novo. Toda essa situação é copiada do romance brasileiro “Max e os felinos”, escrito por Moacyr Scliar. No livro de Martel, o protagonista sofre um naufrágio e sobrevive num barco ao lado de um tigre; no livro de Scliar, o protagonista sofre um naufrágio e sobrevive num barco ao lado de um jaguar. Em seu livro, o autor canadense faz uma citação ao escritor brasileiro. Em meio a agradecimentos a bibliotecárias e pesquisadores, ele agradece “à inspiração” de Moacyr Scliar.

Convenhamos, foi bem mais do que uma “inspiração”. Quando o livro de Martel ganhou o prêmio Booker e, consequentemente, 75 mil dólares, a imprensa brasileira denunciou o plágio. Martel teve que se explicar. Disse que não tinha lido o livro de Scliar, apenas uma resenha publicada num jornal. Disse também que a resenha era negativa e que uma ideia tão boa tinha que ser mais bem aproveitada. Ele se encarregou, então, de transformar a boa ideia em bom livro.

Em outras palavras, a emenda saiu pior do que o soneto. A tal resenha negativa nunca foi localizada. Martel nunca soube dizer onde a leu. Mas o caso foi tão constrangedor que ele acabou telefonando para Scliar com um pedido de desculpas. Scliar relevou, mas nunca engoliu a história.

Agora o filme está aí. Faz sucesso no mundo inteiro e aumenta o faturamento do plagiador. É por isso que eu não queria gostar. Mas gostei. Um pouquinho. Acharia melhor se não fosse em 3D (como são incômodos os óculos para se assistir a um filme em três dimensões!). A tecnologia, tão bem utilizada por Martin Scorsese em “A invenção de Hugo Cabret”, não acrescenta nada a “As aventuras de Pi”. Mas a fábula da sobrevivência, que funcionou bem nos dois romances, continua funcionando no cinema.