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22 de maio de 2017
Ignácio de Loyola Brandão: Questões sobre Scliar, escritor de paletó e gravata

Pediram-me para fazer aqui uma crônica síntese do que vou falar na noite de Moacyr Scliar. Como se fosse um trailer, atraindo o público. Mas se começo a contar, conto tudo, depois não tenho necessidade de falar. Ou quando eu começar, as pessoas vão  ligar celulares, mandar mensagens,  se distrair, dizendo: já sei o que ele vai dizer. Uma coisa sei que não vou fazer. Falar sobre a obra. Deixo isso para os teóricos, aqueles que gostam de falar em plausibilidades, indeterminações, desconstrução da metalinguagem, antropomorfismo, indeterminismo das ideologias, experiência das contingências, ecolalia, e assim por diante.

Foram anos de encontros e desencontros por dentro deste país. Muitas vezes, eu chegava a uma cidade e Scliar estava saindo. Nem calculam quantos cafés tomamos em aeroportos, ou águas minerais. Ou eu saia e ele chegava.  Lembro-me que Scliar foi um dos que rapidamente aderiram as viagens literárias, costume que começou lá por 1975, com o Torres, o João Antonio, e o outro, o outro era, quem mesmo? Ah, eu! Enquanto ele aderia, muita gente nos ironizava, vocês são vaidosos, querem se exibir, querem mídia, querem o que com essas via sacras? Escritor escreve, argumentavam, não passeia. Não sei se foi em João Pessoa ou em Natal que Scliar discutiu com um catedrático de nome Cunha, um crítico provinciano, que argumentava: enquanto viajam, vocês perdem tempo, não escrevem. Scliar deu de ombros. Não sei se aquele Cunha está vivo ainda, porque olhando a obra do nosso autor, veria que quase 80 livros é algo significativo. Ou significante, como diriam os acadêmicos. Vou deixar para o Zuenir Ventura falar sobre o Clube dos Escritores Sem Netos, CESN.

Quero levantar questões como:

Como pode escrever um escritor que não toma uma gota de álcool? Ainda mais sendo gaúcho?

Por que Scliar estava sempre de paletó e gravata?

Por que ele jamais falava do que estava escrevendo?

Porque ele  jamais proclamava os prêmios, as entrevistas que dava, as notícias a seu respeito?

Como produzia tanto?

Escrevia tanto, viajava tanto e nunca foi demitido de seu posto como médico? Como? Devia faltar para caramba!

O meio literário é um ninho de cobras que adora uma fofoca. Como jamais ouvi uma  incluindo Scliar?

Finalizo com uma observação: poucos sabem que foi ele um dos primeiros escritores a usar lap-top e a mandar matérias diretas da Europa para o jornal. Ele cobriu a Feira de Frankfurt de 1994, dedicada ao Brasil, com o lap-top no colo. Como se fosse um blogueiro. Aliás, foi um pioneiro dos blogs.  Sei porque um dia, ele me passou o aparelho e disse: dê sua opinião sobre  essa fala? E eu não sabia escrever naquele teclado. O jornal Zero Hora cortou duas linhas em que eu dizia: ubfd das melgore congrtfereeiojn  asstpk….

Sobre o escritor:

Ignácio de Loyola Brandão é um contista, romancista e jornalista brasileiro. Possui uma vasta produção literária, tendo sido traduzido para diversas línguas. Recebeu prêmios de destaque na literatura, entre eles o Jabuti, em 2008. Um grande nome da literatura brasileira e também amigo de Scliar que estará participando da mesa redonda “Scliar a Quatro Vozes”, nesta sexta-feira, 26.