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26 de setembro de 2014
Scliar inédito na Revista IstoÉ

ISTOÉ publica com exclusividade trecho de conto inédito do escritor gaúcho, que tem sua vida e obra homenageadas em exposição em Porto Alegre

Daniel Solyszko (daniel@istoe.com.br)

Criado numa tradicional família judaica no bairro do Bom Fim, em Porto Alegre, Moacyr Scliar parecia destinado ao ofício de escrever, consequência direta de ter sido educado em um ambiente povoado por histórias na infância. Influenciado pela mãe, Sara, que lhe trazia livros de bibliotecas públicas, “mico”, como era chamado por amigos e familiares, cresceu cercado de narrativas orais e escritas.

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Essa habilidade de criar histórias a partir do que ouvia começou a se aprimorar a partir de 1968, quando começou sua fase mais prolífica. Um dos primeiros contos que escreveu foi “Joel Ia Voando”, texto inédito do escritor, morto em 2011, publicado agora com exclusividade por ISTOÉ. Ele teria sido escrito por volta de 1970, segundo Marie-Hélène Paret Passos, responsável pelo acervo de Scliar, e foi encontrado dentro de uma pasta com a referência “Contos-Joel”, que continha 22 histórias com o personagem. “Scliar provavelmente planejava reunir esse material em um único livro, mas acabou abandonando a ideia”, explica a pesquisadora.

Quatro desses contos foram publicados na primeira edição de “O Carnaval dos Animais”, de 1968, que pode ser considerada a primeira obra de destaque na carreira de Scliar. Quando começou a escrever seu primeiro romance, “A Guerra no Bom Fim”, em 1970, ele recuperou alguns desses contos, reescrevendo-os de forma que se encaixassem em uma longa narrativa. O restante do material permanece inédito até hoje.

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NOVIDADE
Trecho do conto inédito de Scliar (acima), homenageado em mostra
que conta com vídeos de atores lendo suas obras (abaixo)

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Muito da farta produção de Scliar poderá ser novamente apreciado pelo público. Original de 1972, “A Guerra no Bom Fim” está sendo relançado pela editora L&PM juntamente com “O Exército de um Homem Só”, de 1973, e “Max e os Felinos”, de 1981. A Edelbra, por sua vez, traz uma coletânea de crônicas que saíram na imprensa entre 2008 e 2010, intitulada “A Banda na Garagem”. Além dos livros, o documentário “Caminhos de Scliar”, dirigido por Cláudia Dreyer, pode ser visto juntamente com a exposição “Moacyr Scliar, o Centauro do Bom Fim”, em cartaz até 16 de novembro no Santander Cultural, em Porto Alegre. Com curadoria do cineasta Carlos Gerbase, a mostra revela um pouco da vida pessoal do autor, e é dividida em ambientes fundamentais para entender sua formação cultural, como uma recriação da casa onde morava no bairro do Bom Fim, em Porto Alegre.

Gerbase, que também foi baterista da banda punk Replicantes, conta que conheceu Scliar no set de filmagens do curta-metragem “No Amor”, inspirado em conto do escritor, do qual foi produtor. Ele diz que a primeira coisa que chamou sua atenção na obra do escritor gaúcho foi a proximidade geográfica. “Você sente que é uma literatura ao mesmo tempo regional e universal. Ele é como Anton Tchekhov, que fala da sua aldeia, mas também do mundo. Ele tinha uma ampla capacidade de dialogar”, diz.

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Para o curador, os dois aspectos mais importantes da obra do “mico do Bom Fim” são a questão da tradição judaica, que atravessa a maior parte dos seus quase 80 livros, e a influência do realismo mágico. “Ele dizia que entre os escritores que considerava mais importantes estavam Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa. Lendo você percebe todas essas influências”, explica.

No aspecto ideológico, a vida de Scliar foi muito marcada pela influência política do socialismo. Em uma das salas da exposição é possível ouvir seu discurso de formatura na Faculdade de Medicina, no qual ressalta a necessidade de oferecer um serviço de saúde universal. “Sua fala começava com versos de Ferreira Gullar, foi muito contundente”, diz Judith Scliar, viúva do autor. “Ele decidiu entrar na área de saúde pública justamente por convicção política.” Scliar era médico, ofício que nunca abandonou definitivamente.

Essa preocupação política, aliada a uma intensa pesquisa, sempre permeou sua obra. “As histórias dele sempre tinham alguma crítica social. Ele apresentava uma visão humanista de determinado fato histórico que te dava uma perspectiva completa de algo que você nunca tinha aprendido”, diz o jornalista e ex-cunhado Gabriel Oliven, outro organizador da exposição.

Agora, está em negociação levar a mostra para outras cidades brasileiras, o que possibilitaria que um maior número de pessoas possa mergulhar na vida e obra de um dos grandes escritores brasileiros do final do século XX.

Fotos: Lisette Guerra; Marian Starosta; Carlos Gerbase; Divulgação

Fonte: IstoÉ