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4 de abril de 2018
Redescobrindo Scliar | O humor judaico de Moacyr Scliar segundo Daniel Weller

Dando sequência à série “Redescobrindo Scliar”, onde convidamos amigos e colegas para comentar obras de Moacyr Scliar que merecem ser redescobertas pelo público, o professor Daniel Weller fala sobre “Do Éden ao Divã”, obra que ganhou uma nova edição em novembro de 2017. Organizado por Moacyr Scliar, pelo poeta argentino Eliahu Toker e pela socióloga Patricia Finzi, o livro reúne histórias e anedotas que celebram o humor judaico, “o humor do sorriso e não da gargalhada, um humor filosófico e que faz pensar”. Confira!

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“Como parte das comemorações dos 80 anos do nascimento do escritor Moacyr Scliar, em novembro do ano passado, foi relançada Do Éden ao Divã: Humor Judaico (1990). Organizada por Scliar, pelo poeta argentino Eliahu Toker e por Patricia Finzi, socióloga e diretora da extinta editora Shalom, a coletânea teve seis edições e ficou 35 semanas no topo da lista dos livros mais vendidos, ultrapassando até mesmo Paulo Coelho.

É consenso de que Scliar é filiado à tradição dos velhos contadores de histórias da Europa Oriental, que escreviam em iídiche e tinham um pé no mundo secular e o outro no Chassidismo, movimento místico judaico centrado na alegria para a transcendência e aproximação a D´us. Dos grandes escritores do Leste Europeu, o maior foi indiscutivelmente Sholem Aleichen (1859 – 1916) que, devido aos progroms, foi obrigado a emigrar para Nova York, levando na bagagem as origens de muitos de nós: as pequenas shtetls, onde moravam os judeus que usavam um humor autodepreciativo e irreverente como estratégia de sobrevivência, amenizando a dureza do cotidiano. Scliar destaca no livro que o riso está relacionado com o método milenar de estudo do Talmude e da lógica do pilpul, caracterizada pelo excesso de raciocínio.

O interesse de Scliar por refletir sobre o humor judaico que aparece em diversas crônicas, palestras e no ensaio A Condição Judaica: Das Tábuas da Lei à Mesa da Cozinha consolida-se no precioso livro Do Éden ao Divã: Humor Judaico composto por muitas histórias que retratam na prática a habilidade judaica de rir das suas próprias desgraças, uma forma inteligente de lidar com a melancolia e com a condição errante que caracterizam a etnia e a religião mosaica. “O humor judaico é demasiado rico e diversificado para ser descrito adequadamente por uma simples generalização. Os teólogos judeus costumavam dizer que é mais fácil descrever Deus em termos do que Ele não é. O mesmo processo pode ser útil para a compreensão do humor judaico. Ele não é escapista, não é grosseiro, não é cruel; ao mesmo tempo, também não é polido ou gentil”. (p. 9)

Para o autor, “ao sofrimento deve o judaísmo seu humor”, caracterizado por ser “amargo, melancólico e de sorriso e não de gargalhada. Um humor filosófico, que faz pensar”. Scliar destacou que essa comicidade também está associada com a questão identitária do olhar tipicamente judeu que “vê o que os outros não veem por um olho arguto, mágico que enxerga poros nas superfícies lisas, minúsculas fissuras nos revestimentos”. Para além do arquétipo da mãe judia e do peso de ser “povo eleito”, os judeus do Leste Europeu desenvolveram um folclore típico, com seus personagens que sobreviveram e esperam pelo leitor nessa nova edição Do Éden ao Divã, atenuando a tristeza e amparando-nos na desesperança da condição humana sem perder o bom humor”.

DANIEL WELLER
Mestre em Literatura Brasileira (UFRGS). Autor da dissertação Monteiro Lobato: Um Homem Célebre & O Engraçado Arrependido – Aspectos de Comicidade em Cidades Mortas.