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17 de abril de 2018
Redescobrindo Scliar | Antonio Carlos Secchin e o amigo Moacyr Scliar

Antonio Carlos Secchin

Membro da Academia Brasileira de Letras, o poeta, ensaísta e crítico literário Antonio Carlos Secchin é o mais novo convidado da nossa série “Redescobrindo Scliar”. Recuperando toda a influência literária e humanista que o escritor teve em sua carreira, ele fala sobre os momentos que compartilhou com Scliar, além, claro, das obras que mais marcaram a sua trajetória. Confira abaixo!

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“Moacyr Scliar foi exemplo notável do consórcio entre homem de letras e homem de ação. Ganhador dos mais importantes prêmios literários do país, autor de vasta e qualificada obra, com mais de 80 títulos, traduzida para 10 idiomas, nunca se esqueceu dos compromissos em prol da melhoria das condições de vida da população brasileira, sobretudo na área de sua especialidade, a saúde pública.

Relembro o encanto com que descobri sua literatura, quando, ainda estudante secundarista, tive a oportunidade de ler O carnaval dos animais, de 1968, dedicado à esposa e companheira Judith, com quem celebraria, em 2011, 46 anos de harmonioso convívio. No meu acervo, contabilizo 25 títulos de Scliar, vários deles, decerto de fatura literária ainda mais elaborada do que a desse livro.

Recordemos o autor de tantas obras fundamentais na literatura brasileira, como a trilogia judaica integrada por A guerra no Bom Fim, O exército de um homem só e Os deuses de Raquel. Em minha memória afetiva, porém, nenhuma delas suplanta o impacto proveniente da descoberta de Scliar em O carnaval dos animais. Encontro-me, aliás, em boa companhia, pois o consagrado ensaísta e historiador Alfredo Bosi foi buscar nessa obra um conto – “Pausa” – que considera um dos grandes momentos de nossa narrativa curta do século XX.

Sua estreia de fato não ocorreu em 1968, e sim em 1962, em livro que considerou apenas uma aprendizagem: Histórias de médico em formação, a rigor, histórias de um escritor em formação. Não me cansei de peregrinar por numerosos sebos do Brasil, na época pré-Internet, até finalmente localizar e adquirir o livrinho. Muitos anos mais tarde, fui contemplado com a dedicatória: “Para Antonio Carlos Secchin, que valoriza este livro mais que o próprio autor, a homenagem do Moacyr”. Na dedicatória impressa na obra, lemos: “A meus pais, que me fizeram médico em formação –cita outras pessoas e conclui: “aos colegas da União Nacional de Estudantes de Medicina/…/companheiros de luta por um mundo melhor”.Nítido desenho de um compromisso ético que desenvolveu a vida inteira.

Mas hoje quero evocar, principalmente, o amigo Moacyr Scliar.

Quando comparecia às sessões acadêmicas, ao menos duas vezes por mês, e quase sempre a caminho de uma palestra em outro estado ou em outro país, ele sentava-se à minha direita, e aproveitávamos o reencontro para pôr em dia assuntos na maioria relacionados à vida acadêmica. Este detalhe espacial foi registrado numa dedicatória: “Para Antonio Secchin, de seu colega, vizinho de bancada, amigo e fã incondicional Moacyr Scliar”. Curiosamente, tal dedicatória, alusiva à Academia, encontra-se no volume O menino e o bruxo , que ficcionaliza episódios da vida e da obra de Machado de Assis, primeiro presidente da ABL.

No – infelizmente – pouco tempo que conviveu entre os acadêmicos, revelava-se sempre um apaixonado pela Casa, na busca incessante de mecanismos que tornassem mais visíveis aos olhos do público o intenso trabalho cultural desenvolvido pela instituição. Dizia que, pelo prestígio centenário, a ABL deveria participar de modo ainda mais incisivo nos debates culturais do país e chegou a sugerir que os acadêmicos elaborassem uma espécie de cânone para ser distribuído às escolas brasileiras.

Estive a seu lado em vários seminários, congressos e simpósios literários. Nunca recusava convites, afirmando ser a missão do escritor chegar ao público, para que o público pudesse chegar ao escritor. A urgência da vida parecia exigi-lo e exauri-lo em tempo integral. Jamais se furtou ao bom combate, nas inúmeras crônicas, nos contos e romances. O equilíbrio e a inteligência pautavam suas intervenções em público.

Elegante, sóbrio e talentoso na vida e na arte assim foi Scliar. Para aferir a importância de seu legado, observemos que, em rápida pesquisa num mecanismo de busca na Internet(Google), encontramos nada menos do que 956 mil entradas para o nome “Moacyr Scliar”. Parodiando o título de seu último romance – Eu vos abraço, milhões (saudado como obra-prima por Carlos Heitor Cony) – poderíamos em sua memória dizer: Nós te abraçamos, aos milhares.”

 

ANTONIO CARLOS SECCHIN