Textos
Crônicas Médicas
A mensagem que vem do coração

Publicado em 21/10/1995 na coluna “A cena médica” da Zero Hora

Eu sempre admirei o editor Paulo Lima, o L da L&PM. Agora, umoutro Paulo Lima surge como digno do respeito e da afeição de todos os brasileiros. Não sei quem é, nem o que faz; só o conheço, como todo o mundo, de fotografia. E é uma foto para ficar na história de nosso país.Paulo Lima teve pólio. Ele e muitos outros de sua idade. Antes que a vacinação se tornasse rotina, a doença era um flagelo disseminado, não só no Brasil, mas em outros países. Nos Estados Unidos até um presidente, Franklin D. Roosevelt, foi atingido pela paralisia; como Paulo Lima, tinha de andar em cadeira de rodas. A imagem desse homem, inválido, sensibilizou a opinião pública norte-americana; uma subscrição pública, a “marcha dos pennies”, assim denominada porque qualquer centavo já era uma contribuição, forneceu a verba necessária para a investigação que afinal levou à descoberta da vacina, primeiro por Jonas Salk e logo por Albert Sabin.

Vacinado, Paulo Lima não teria pólio. O que talvez se constituísse em fonte de amargura permanente para ele: a sorte foi cruel comigo, eu bem que podia ter escapado dessa desgraça. Mas Paulo Lima resolveu fazer de seu problema uma mensagem. Deixou-se fotografar com a mulher e os filhos que, como diz o cartaz do Ministério da Saúde, não terão pólio.Olhem o Paulo Lima. É um homem robusto, de aparência sadia; se fosse fotografado da cintura para cima, ninguém suspeitaria de sua invalidez. Mas há alguma coisa no olhar dele que nos fala ao coração. É uma secreta, mansa mágoa, a nostalgia de quem podia caminhar normalmente mas não conseguiu fazê-lo. Não nos enganemos: Paulo Lima não faz parte do bloco dos contentes. Mas faz parte do bloco dos seres humanos decentes, dignos.E era preciso? Era preciso estampar a foto de Paulo Lima em sua cadeira de rodas? Era preciso mostrá-lo na tevê?Sim, era preciso.

A pólio foi erradicada no país, e a visão de pessoas com paralisia é cada vez mais rara. O que afinal, somos apenas humanos, poderia levar a um certo descuido com a vacinação. Por outro lado, apavorar as pessoas, além de cruel, é contraproducente: a experiência mostra que o terror não é a melhor motivação em saúde. O Ministério da Saúde recorreu à imagem exata. Um homem que é feliz, mas que poderia ser ainda mais feliz se tivesse tido acesso à vacina. Como seus filhos e todas as crianças brasileiras têm.