Casa de Cultura Mario Quintana e Iecine celebram a fundação de Israel a partir do legado da família Scliar

A Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) e o Instituto Estadual de Cinema (Iecine), instituições da Secretaria da Cultura (Sedac), realizam uma atividade especial em comemoração à fundação do Estado de Israel, ocorrida em 14 de maio de 1948. A programação 3x Scliar destaca o legado de uma família judaica na cultura do Rio Grande do Sul e do Brasil, por meio da obra do artista plástico Carlos Scliar, do fotógrafo Salomão Scliar e do escritor Moacyr Scliar. As atividades ocorrem nos dias 13, 14 e 15, sempre às 18h, pelo perfil da CCMQ no Facebook. A secretária da Cultura, Beatriz Araujo, e o vice-cônsul de Israel em São Paulo, Aviel Avraham, participam da abertura da programação. Ocorrerão três aulas abertas, com especialistas nas obras dos artistas homenageados. No dia 13, o pesquisador Glênio Póvoas discorre sobre Salomão. Dia 14, a historiadora da arte Paula Ramos apresenta a trajetória de Carlos. No dia 15, a escritora Cíntia Moscovich palestra sobre a obra de Moacyr. O diretor do Iecine, Zeca Brito, observa que, nas artes visuais, no cinema e na literatura, três jovens da mesma família trilharam caminhos diferentes, do realismo ao universo fantástico, mantendo em comum a constante visão crítica sobre a sociedade e sobre as desigualdades no campo (Carlos), no litoral (Salomão) ou nas periferias de grandes cidades (Moacyr). “A família Scliar pontuou a visão humanizada e o sentido social na produção artística sulista. Com 3x Scliar, buscamos valorizar a contribuição cultural que esses artistas de origem judaica deram ao Rio Grande do Sul e ao Brasil”, salienta Brito. A secretária da Cultura assinala a dimensão da contribuição de artistas e intelectuais de ascendência judaica à cultura brasileira e, em especial, ao Rio Grande do Sul. “Numa data de tal significado para o povo judeu, nossa homenagem se traduz em exaltar o legado de expoentes como os Scliar nas artes visuais, na fotografia, no cinema e na literatura”, resume Beatriz Araujo. Os Scliar O jovem artista plástico Carlos Scliar (1920-2001), durante a Segunda Guerra Mundial, alistou-se na Força Expedicionária Brasileira para combater o nazismo. No front, desempenhou papel fundamental como projetista de bombas, mas também retratou com sensibilidade, por meio de desenhos que ficaram para a história, seus dias em Monte Castelo. Seu irmão, o fotógrafo Salomão Scliar (1925-1991), embebido pelo ambiente de revolução artística, inaugurou o realismo estético na cinematografia do Rio Grande do Sul com o longa-metragem Vento norte. Moacyr Scliar (1937-2011), o primo escritor, fez da literatura sua arma de denúncia social e de maneira crítica pontuou diferentes momentos da história por meio de suas histórias e personagens. O movimento da Legalidade, a ditadura militar e o ambiente judaico em Porto Alegre foram temas tratados em sua escrita. SERVIÇO • O quê: 3x Scliar – Aulas abertas em comemoração ao aniversário de fundação do Estado de Israel • Quando: 13, 14 e 15 de maio, às 18h • Onde: perfil da CCMQ no Facebook * texto publicado originalmente no site do Governo do Estado do Rio Grande do Sul Texto: Ascom Sedac Edição: Secom
Legado de Moacyr Scliar na saúde pública é celebrado em debate online com colegas médicos

No mesmo dia em que Moacyr Scliar completaria 84 anos, um trio de colegas e amigos do escritor e médico gaúcho se reunirá virtualmente para homenagear o seu legado no campo da saúde pública. O debate “Scliar: o médico, o escritor e o humanista” acontecerá no dia 23 de março, a partir das 20h, diretamente na página oficial do Facebook dedicada a Moacyr e estará disponível para ser assistido no YouTube logo após a transmissão. Sob a mediação do jornalista Túlio Milman, os médicos Flávio Kanter, Germano Bonow e J.J. Camargo são os convidados do debate, que também contará com introdução do jornalista Gabriel Oliven. Um dos autores brasileiros mais lidos no exterior, Moacyr Scliar escreveu mais de 80 livros, sendo 21 dedicados à área médica, entre eles, “Saturno nos Trópicos”, “A Paixão Transformada” e “Sonhos Tropicais”, além de três títulos em homenagem a Oswaldo Cruz, médico que Scliar admirava e frequentemente reverenciava em seus trabalhos. Os primeiros textos médicos foram publicados ainda nos tempos de estudante, entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960, quando cursava medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e colaborava com “O Bisturi”, o jornal do Centro Acadêmico Sarmento Leite. Dos movimentos pela reforma universitária e pela conclusão das obras do Hospital de Clínicas ao doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública, Moacyr viajou para países como Japão, Estados Unidos e Israel com o objetivo de estudar, vivenciar e palestrar sobre saúde pública e epidemiologia. No Rio Grande do Sul, esteve junto de incontáveis pacientes no Sanatório Partenon, na Santa Casa de Porto Alegre, na Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, no Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU) e no Lar dos Velhos da Comunidade Judaica. Outro ponto marcante da carreira foi em 1964, quando recebeu o convite para ministrar a disciplina de Medicina Interna da Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre, assumindo também a chefia do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde. Para J.J. Camargo, Scliar era “profundamente preocupado com a saúde pública e com importantes contribuições neste campo, emprestando-lhe inteligência, dedicação e entusiasmo, virtudes reconhecidas por seus parceiros de trabalho”. “Scliar: o médico, o escritor e o humanista” é o segundo encontro virtual em homenagem a Moacyr, sucedendo o debate sobre os 40 anos de lançamento de “O Centauro no Jardim”, realizado em outubro do ano passado e que já contabiliza mais de 3.700 visualizações no Facebook. SERVIÇO Bate-papo online em homenagem à carreira médica de Moacyr Scliar Com Flávio Kanter, Germano Bonow e J.J Camargo Mediação de Túlio Milman e introdução de Gabriel Oliven Dia 23 de março, a partir das 20h Transmissão ao vivo no Facebook oficial dedicado à vida de Moacyr Scliar: https://www.facebook.com/MoacyrScliarOficial
Dez anos sem Moacyr Scliar

Hoje completamos dez anos sem Moacyr Scliar. É uma data que sempre nos enche de saudade, mas também de imenso carinho, traduzido em uma série de homenagens feita pela imprensa. Entre matérias especiais e depoimentos de colegas e amigos, selecionamos algumas das publicações realizadas no dia de hoje em veículos de comunicação. Como sempre, Scliar permanece conosco através das palavras. Confiram: – “Professores e críticos debatem legado de Moacyr Scliar, 10 anos após a morte do escritor”: https://gauchazh.clicrbs.com.br/…/professores-e… – “Leitor e amigo de momentos decisivos, Abrão Slavutzky lembra vivências com Moacyr Scliar 10 anos após a morte do autor”: https://gauchazh.clicrbs.com.br/…/leitor-e-amigo-de… – “Moacyr Scliar, o escritor imortal que cantou o Bom Fim e retratou o mundo”: https://www.jornaldocomercio.com/…/779730-moacyr-scliar… – “Moacyr Scliar – Dez anos de ausência”: https://www.matinaljornalismo.com.br/…/moacyr-scliar…/ – “A falta que nos faz Moacyr Scliar”: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/cintia-moscovich/noticia/2021/03/a-falta-que-nos-faz-moacyr-scliar-cklzmjkp0002w0198bficc72b.html Confira também a matéria produzida pela TVE-RS:
Quatro contos de Moacyr Scliar em homenagem ao espírito natalino

Foram vários os contos que Moacyr Scliar escreveu em homenagem ao espírito natalino. Alguns foram originalmente publicados no jornal Folha de S. Paulo, onde Scliar assinava uma coluna criada a partir de acontecimentos reais. Já outros integram coletâneas e livros como “Mamãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, de 1996, destinado ao público infanto-juvenil. Antecipando as festividades natalinas, selecionamos quatro destes contos para compartilhar com vocês neste mês de dezembro. Boa leitura! _ MENSAGEM DE NATAL * Publicado no Jornal Folha de S. Paulo, em 24 dezembro de 2007 Um cartão do Natal com um desenho colorido de Papai Noel e uma menina, postado em 1914, acaba de chegar a seu destino na cidade americana de Oberlin, no Estado de Kansas, depois de ficar extraviado durante 93 anos. O cartão, datado de 23 de dezembro de 1914, tinha sido enviado a Ethel Martin, de Oberlin. Ethel Martin nunca chegou a ler a mensagem de Natal. Ela morreu antes de receber o cartão. “Para ele, o fim do ano era sempre uma época dura, difícil de suportar. Sofria daquele tipo de tristeza mórbida que acomete algumas pessoas nos festejos de Natal e de Ano Novo. No seu caso havia uma razão óbvia para isso: aos 70 anos, solteirão, sem parentes, sem amigos, não tinha com quem celebrar, ninguém o convidava para festa alguma. O jeito era tomar um porre, e era o que fazia, mas o resultado era melancólico: além da solidão, tinha de suportar a ressaca. No passado, convivera muito tempo com a mãe. Filho único, sentia-se obrigado a cuidar da velhinha que cedo enviuvara. Não se tratava de tarefa fácil: como ele, a mãe era uma mulher amargurada. Contra a sua vontade, tinha casado, em 31 de dezembro de 1914 (o ano em que começou a Grande Guerra, como ela fazia questão de lembrar) com um homem de quem não gostava, mas que pais e familiares achavam um bom partido. Resultado desse matrimônio: um filho e longos anos de sofrimento e frustração. O filho tinha de ouvir suas constantes e ressentidas queixas. Coisa que suportava estoicamente; não deixou, contudo, de sentir certo alívio quando de seu falecimento, em 1984. Este alívio resultou em culpa, uma culpa que retornava a cada Natal. Porque a mãe falecera exatamente na noite de Natal. Na véspera, no hospital, ela lhe fizera uma confissão surpreendente: muito jovem, apaixonara-se por um primo, que acabou se transformando no grande amor de sua vida. Mas a família do primo mudara-se, e ela nunca mais tivera notícias dele. Nunca recebera uma carta, uma mensagem, nada. Nem ao menos um cartão de Natal. No dia 24 pela manhã ele encontrou um envelope na carta do correio. Como em geral não recebia correspondência alguma, foi com alguma estranheza abriu o envelope. Era um cartão de Natal, e tinha a falecida mãe como destinatária. Um velhíssimo cartão, uma coisa muito antiga, amarelada pelo tempo. De um lado, um desenho do Papai Noel sorrindo para uma menina. Do outro lado, a data: 23 de dezembro de 1914. E uma única frase: “Eu te amo”. A assinatura era ilegível, mas ele sabia quem era o remetente: o primo, claro. O primo por quem a mãe se apaixonara, e que, por meio daquele cartão, quisera associar o Natal a uma mensagem de amor. Uma nova vida era o que estava prometendo. Esta mensagem e esta promessa jamais tinham chegado a seu destino. Mas de algum modo o recado chegara a ele. Por quê? Que secreto desígnio haveria atrás daquilo? Cartão na mão, aproximou-se da janela. Ali, parada sob o poste de iluminação, estava uma mulher já madura, modestamente vestida. Hesitou um instante e depois precipitou-se para fora. Tinha uma mensagem a entregar. Uma mensagem que poderia transformar sua vida, e que era, por isso, um verdadeiro presente de Natal”. _ A NOITE EM QUE OS HOTEIS ESTAVAM CHEIOS * Publicado no livro “Amigos Secretos”, de 1994 “O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa serviria, desde que não fosse muito caro. Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha, na pressa da viagem esquecera os documentos. — E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos? — disse o encarregado. — Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não! O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel também não havia vaga. No quarto — que era mais uma modesta hospedaria — havia, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, resolveu dar uma desculpa: — O senhor vê, se o governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente… O senhor não conhece ninguém nas altas esferas? O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas. — Pois então — disse o dono da hospedaria — fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo. O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante. No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio. — O disfarce está muito bom. Que disfarce? Perguntou o viajante. Essas roupas velhas
“O Centauro no Jardim” comemora 40 anos de lançamento com debate online sobre o legado da obra

Um dos títulos mais importantes da vasta carreira literária de Moacyr Scliar (1937-2011), “O Centauro no Jardim” completa 40 anos de lançamento neste mês de outubro. Para celebrar o marco, um quarteto de amigos, colegas e admiradores de Scliar se reunirá de forma online para debater o legado desse clássico que já foi considerado pelo National Yiddish Book Center, dos Estados Unidos, um dos cem melhores livros de temática judaica dos últimos 200 anos. Com participação da escritora Cíntia Moscovich, do professor Sergius Gonzaga e dos jornalistas Cláudia Laitano e Túlio Milman, o encontro acontece no dia 21 de outubro, a partir das 20h, com transmissão ao vivo pela página oficial dedicada a Moacyr Scliar no Facebook. Outros conteúdos e depoimentos sobre o livro também estarão disponíveis na rede social ao longo do mês, tudo sob a coordenação de Judith Scliar, que foi casada com Moacyr de 1965 até a morte do escritor em 2011. Logo após ser lançado em outubro de 1980, “O Centauro no Jardim” já foi considerado um grande acontecimento na carreira de Scliar, recebendo, inclusive, o prestigiado prêmio de melhor romance pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Ao longo dos anos, também já foi leitura obrigatória do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e se tornou um dos livros mais populares do escritor no exterior, com traduções para países como Alemanha, Rússia, Suécia, Itália e Holanda. “Acompanhei muito de perto a carreira literária do Moacyr e tive a honra de ser sempre a primeira leitora de seus trabalhos. Esse é um livro pelo qual ele tinha muito carinho, e realmente acho que Moacyr se tornou um escritor ainda maior com ele. Para mim, na época, a primeira leitura foi um verdadeiro impacto, e poder celebrar os 40 anos dessa obra tão importante, transmitindo esse debate sobre o livro para todo o Brasil, é motivo de muita alegria”, comenta Judith. Situado no interior do Rio Grande do Sul, “O Centauro no Jardim” acompanha o nascimento de um centauro, ser metade homem e metade cavalo, no círculo da pacata família Tratskovsky. Seu nome é Guedali, quarto filho de um casal de imigrantes judeus russos. A partir desse evento fantástico, Scliar constrói um romance que se situa entre a fábula e o realismo, evidenciando a dualidade da vida em sociedade, com um personagem que cresce solitário e excluído da sociedade. Mais informações sobre a obra e o escritor podem ser encontradas no site www.moacyrscliar.com. SERVIÇO Bate-papo online em homenagem aos 40 anos de “O Centauro no Jardim” Com Cíntia Moscovich, Cláudia Laitano, Sergius Gonzaga e Túlio Milman Dia 21 de outubro, a partir das 20h Transmissão ao vivo no Facebook oficial dedicado à vida de Moacyr Scliar: https://www.facebook.com/MoacyrScliarOficial
Moacyr Scliar, o leitor: livros, autores e personagens admirados pelo escritor

“Contar e ouvir histórias é fundamental para os seres humanos; parte de nosso genoma, por assim dizer. Sob a forma de mitos, as histórias proporcionavam, e proporcionam, explicações para coisas que parecem, ou podem parecer, misteriosas. De onde veio o mundo? De onde surgiram as criaturas que o habitam? O que acontece com o sol quando ele se põe? Mitos ou histórias proporcionam explicações que, mesmo fantasiosas (ou exatamente por serem fantasiosas), acalmam nossa ansiedade diante da vida e do universo”, escreveu Moacyr Scliar no livro “O texto, ou: a vida – Uma Autobiografia Literária. A partir dessa obra específica, é possível descobrir sobre muito dos livros e dos personagens que marcaram a vida de Moacyr Scliar como leitor. Nossa proposta aqui no site é começar a falar sobre alguns deles. Primeiro lembramos, claro, os personagens que habitaram o imaginário infanto-juvenil de Scliar, desde aqueles que vinham das histórias contadas pelos pais e pelos vizinhos até aqueles que encontrava em livros de autores nacionais e estrangeiros. São alguns dos personagens citados por como aqueles que o intrigaram, encantaram e até mesmo assustaram: Saci-Pererê, Negrinho do Pastoreio, Cuca e Emília, Hércules, Teseu, os Argonautas, Mickey Mouse, Tarzan, os Macabeus, João Felpudo, Huck Finn. Para o autor, também ficam na memória os contos populares que serviram de base para autores como Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Por fim, ainda no âmbito infanto-juvenil, Moacyr gostava de investigar todos os autores que, de alguma forma, estudaram a magia dos contos de fadas e as narrativas populares em geral, entre eles Vladimir Propp, Bruno Bettelheim (“A Psicanálise dos Contos de Fadas”), Robert Darnton e Marie-Louise Von Franz (“Uma Introdução à Interpretação dos Contos de Fadas”). Já na vida adulta de Scliar como leitor, um de seus expoentes era o escritor estadunidense Harold Bloom (1930 – 2002). Também conhecido por sua ampla contribuição como crítico literário, Bloom foi professor da Universidade de Yale e publicou mais de 40 livros, como “Hamlet: Poema Ilimitado”, “O Cânone Ocidental” e “A Anatomia da Influência”. Scliar gostava particularmente de “O Livro de J” (1992), onde Bloom explora a mítica figura de “J”, escritora sem nome e “figura destacada da elite do rei Salomão” que estudiosos acreditam ser responsável por um texto escrito entre 950 e 900 a.C. no qual se baseia Gênesis e Êxodo. Bloom oferece uma discussão sobre a teoria de como os diferentes textos de J foram reunidos para criar a Bíblia, revelando sua imponente originalidade e compreensão da humanidade. O ensaio do autor inspirou Scliar a escrever um de seus romances mais clássicos: “A Mulher Que Escreveu a Bíblia”, lançado em 1999. Abraçando abertamente essa inspiração, Scliar cria uma personagem que transita entre a elevada dicção bíblica e o mais baixo calão, com uma narrativa repleta de malícia, irreverência, sátira e aventura. Também médico sanitarista, Moacyr Scliar tinha, desde pequeno, muito medo de ficar doente. Tinha mais medo ainda quando pais ou irmãos adoeciam. Ou seja, a escolha pela faculdade de Medicina não veio por coincidência. Esse pânico assumido – e que ele também compartilhou no livro “Uma Autobiografia Literária: o texto, ou: a vida” – levou Scliar, ainda jovem, aos livros que tinham doenças e a medicina como pontos centrais. Esse é o norte de mais um capítulo da nossa série “Moacyr Scliar, o leitor” Duas obras ficcionais e de teor médico faziam parte da sua lista de favoritas. A primeira era “Olhai os Lírios do Campo”, de Erico Verissimo, que conta a história de Eugênio Pontes, moço de origem humilde que se forma médico e, graças a um casamento por interesse, ingressa na elite da sociedade. Nesse percurso, o protagonista é obrigado a virar as costas para a família, a deixar de lado antigos ideais humanitários e a abandonar a mulher que realmente ama. É definido por muitos como um convite à reflexão sobre os valores autênticos da vida. Já a segunda é “A Cidadela”, do escocês A.J. Cronin. O livro descreve as condições de trabalho do início do século XX e relata de um modo estarrecedor as dificuldades e tragédias ocorridas nas minas de carvão inglesas, tendo como protagonista o jovem médico Andrew Manson, que inicia sua prática profissional numa pequena aldeia do País de Gales, Drineffy. Dr. Manson dedica-se de forma intensa aos seus doentes, pondo em prática todo o idealismo de um jovem médico. Para Scliar, essas foram obras importantes na sua formação como médico e leitor. “Ambas denunciam a mercantilização da medicina e idealizam o papel do médico como um verdadeiro herói”, contou o escritor em “Uma Autobiografia Literária”. * por Matheus Pannebecker, especialmente para o site
Delfos Digital atualiza coleções de Moacyr Scliar e Lara de Lemos

O acervo do Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS agora conta com itens inéditos de grandes artistas. A atualização do Delfos Digital faz parte da iniciativa de aumentar a documentação histórica e cultural disponível online. A mais recente é a de Lara de Lemos (1923-2010), poetisa, jornalista e professora porto-alegrense. A coleção, que já está com 354 materiais disponíveis, segue sendo atualizada com textos manuscritos e datiloscritos, crônicas, contos, poesias e recortes de jornais. Em breve, serão adicionadas fotografias e correspondências. Até agora, foram criadas coleções online para três artistas. A primeira delas foi a do escritor Moacyr Scliar (1937-2011), que voltou a ser atualizada recentemente, após a doação de mais materiais do autor para o acervo físico. A coleção, já com 1028 documentos, recebeu novas crônicas escritas para jornais e revistas. A segunda coleção criada foi a de Caio Fernando de Abreu (1948-1996), concluída com 543 documentos. A ideia, a longo prazo, é que a atualização do Delfos Digital contenha todos os acervos disponíveis no catálogo, com consulta online para os itens mais relevantes. Apenas uma parte dos acervos é selecionada para o Delfos Digital, sendo possível consultar o material completo no espaço físico do Delfos (mediante agendamento prévio). Um acervo histórico, cultural e moderno O processo de disponibilização online de conteúdo do Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS teve início no ano de 2015. A criação da plataforma digital, que hoje conta com um total de 6.333 visitas, foi realizada com objetivo de ampliar a visibilidade dos acervos, facilitando o acesso por meio de ferramentas de busca e bases de dados, aumentando as possibilidades de citação e utilização por pesquisadores. Conhecendo o Delfos Localizado no 7º andar da Biblioteca Central (Prédio 16), junto ao Instituto de Cultura da PUCRS, o Espaço de Documentação e Memória Cultural é aberto para visitação. Apesar de o nome remeter à Grécia Antiga, ao Oráculo de Delfos, as estantes e os armários do acervo abrigam raridades de um passado muito mais próximo: originais de livros, correspondências, fotografias, objetos pessoais, anotações de artistas, entidades e autoridades representativas do Rio Grande do Sul. Mediante agendamento (realizado por e-mail com pelo menos sete dias de antecedência), é possível realizar consulta local dos documentos catalogados, que se relacionam com áreas como Letras, Artes, Jornalismo, Cinema, História e Arquitetura. Apenas no ano de 2019 foram atendidos 718 pesquisadores – internos e externos à Universidade e de diferentes regiões do país. * Notícia publicada originalmente no site da PUCRS
Coletânea organizada por professoras da UFMG reverencia a obra multifacetada de Moacyr Scliar

Em 2017, quando teria feito 80 anos, o gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011), médico, professor, autor de romances, contos, ensaios e histórias infantojuvenis, foi tema de seminário realizado na Faculdade de Letras (Fale) da UFMG. A visão de pesquisadores da UFMG e de outras instituições sobre a obra do autor, compartilhada naquele evento, é revelada agora no livro “O olhar enigmático de Moacyr Scliar” (Quixote+Do), organizado pelas professoras Lyslei Nascimento e Maria Zilda Ferreira Cury. Como escreve Maria Zilda no prefácio, os ensaios enfocam “o cronista corajoso, o romancista dos imigrantes, o leitor irreverente das tradições literária e bíblica, o memorialista, o humorista fino, o manejador sofisticado da língua, o escritor amoroso e compassivo, de olhar terno na direção dos mais humildes e dos marginalizados”. De acordo com Lyslei Nascimento, Scliar inscreve-se na literatura brasileira imprimindo traços da medicina e do diálogo com clássicos de autores como Machado de Assis e José de Alencar. “A tradição judaica é outro aporte sofisticado e importante em sua obra. Ele tanto se apropria e reescreve temas bíblicos e religiosos quanto visita aspectos caros à condição judaica, como a imigração e o antissemitismo, que se traduzem em racismo e intolerância religiosa”, explica a professora. Moacyr Scliar conversa também, segundo Lyslei, com escritores como Franz Kafka, Saul Below e Clarice Lispector. Dialoga com a obra do crítico literário Harold Bloom – que inspirou o romance “A mulher que escreveu a Bíblia” – e com a do pintor Marc Chagall. “As referências à obra de Chagall são explícitas em vários textos e aparecem, de forma implícita, em personagens e cenários.” Além dos professores da UFMG, a coletânea conta com a colaboração de pesquisadores da USP, da Unicamp, das universidades federais Fluminense, do Rio Grande do Sul e de Uberlândia. Eles tratam de assuntos diversos como imigrantes e indígenas, utopias políticas e entrelaçamento narrativo. Kafka e seres lendários Maria Zilda Cury produziu para o volume o texto “Moacyr Scliar, o precursor de Kafka”, no qual defende que o autor, em novela feita sob encomenda (“Os leopardos de Kafka”, Companhia das Letras, 2000), faz uma paródia em que convivem reverência e desconstrução. “Para Jorge Luís Borges, Kafka foi um marco na literatura ocidental e ilumina regressivamente ‘precursores’, que são autores da tradição ligados ao escritor tcheco pelas idiossincrasias de estilo kafkiano”, comenta a professora. “Scliar, escritor latino-americano, judeu como Kafka, enfrenta seu legado com a ficção vista como algo sem controle, construindo sua enunciação a partir do espaço do ‘escritor menor’, na acepção de Deleuze e Guattari, em referência à obra do próprio Kafka.” Em seu ensaio para o livro “Sobre monstros e seres imaginários na obra de Moacyr Scliar”, Lyslei Nascimento reencontra no escritor gaúcho a questão dos monstros e monstruosidades na tradição judaica, pela qual ela se interessara durante a pesquisa de doutorado sobre Jorge Luís Borges. Assim como Borges, que reescreveu, no poema “O Golem”, a lenda do gigante de barro construída pelo rabino Judá Leão, de Praga, Scliar se apropria da história para o livro “Cenas da vida minúscula”. Ele localiza a criatura, ironicamente um “Pequeno Polegar”, no Brasil. “Outras criaturas instigantes aparecem na obra de Scliar, como centauros, canibais e estranhos anões que vivem em televisores. Lendários ou imaginários, esses seres chamam a atenção, paradoxalmente, para nossa humanidade, nossa capacidade de coexistência e de amor”, afirma Lyslei. Ao tocar no tema da relação entre criador e criatura, continua a professora, essas citações “reverberam a criação do homem, na Bíblia, e, a partir daí, surge a questão da ética, do ofício do artista e do escritor, assim como reflexões sobre a onipotência e a intolerância que sempre assombraram a humanidade”. Livro: “O olhar enigmático de Moacyr Scliar” Organizadoras: Lyslei Nascimento e Maria Zilda Ferreira Cury Editora: Quixote+Do, com apoio do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários e do Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG – 277 páginas / R$ 35 Lançamento: 31 de outubro, às 19h30, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466) * Texto de Itamar Rigueira Jr. publicado originalmente no site da UFMG.