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10 de julho de 2013
No consultório do Dr. Scliar

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Coletânea de crônicas sobre medicina do escritor gaúcho foi lançada com debate, no Auditório da Amrigs

J.J. CAMARGO*

Passados dois anos e meio da sua morte, Moacyr Scliar continua presente e ativo na vida dos que tiveram o privilégio da proximidade. Plural e camaleônico, encantou os que conviveram com sua inquietude intelectual e conquistou adeptos na medicina, no romance, no ensaio, na crônica e na ficção.

Difícil dizer onde foi mais brilhante, impossível deixar de reconhecer que além da voracidade intelectual, era movido por uma energia ímpar, que o transformou numa incomparável usina de ideia, marcadas pela genialidade e pela premonição. O paralelismo de suas atividades como médico e literato criou este ser híbrido que seguirá encantando gerações, incapazes de distinguir com precisão onde se encerra o exercício da medicina e começa a provocação da crônica ou o deslumbramento da ficção.

Como grande pensador, anteviu as dificuldades da medicina moderna, que se tornou mais técnica e fria, e foi um dos primeros a recomendar a disciplina de Humanidades Médicas no currículo das nossas faculdades, como uma maneira de recuperar o velho glamour. Porque, para ele, literatura e medicina sempre foram compratimentos da mesma cultura. E se submeter às exigências de uma é um filão inesgotável para o enriquecimento da outra.

Por tudo isso, a iniciativa de reunir as principais crônicas dos últimos 16 anos de sua vida (de 1995 a 2011, no Caderno Vida, de Zero Hora), relacionadas com a saúde, do corpo e da alma, muito da alma, neste Território da Emoção, que a Companhia das Letras nos oferece, tem que ser festejada.

A seleção do material a cargo da professora Regina Zilberman é preciosa. A divisão em seis blocos contempla tópicos nominalmente estanques, como sugerem os títulos: Literatura e Medicina, Histórias de Médicos, Memórias de um Médico, Nosso Corpo, Males que nos Afligem e Comportamentos. Mas não, os temas interagem e, em todos, extravasa a sensibilidade, a sutileza, o humor requintado e o primor de uma narrativa enxuta e concisa, que ele próprio reconheceu como resultante de sua experiência como relator de trabalhos científicos.

E assim, com uma precisão cirúrgica, ele nos comove com suas experiências como estudante universitário descobrindo os meandros da nova profissão, nos encanta com o relato das descobertas médicas ao longo da história, nos fascina com a descrição dos medos e das fantasias que caracterizam o frágil ser humano ameaçado de morte.

Quando descreve nosso corpo, se apossa dele como um poeta, e assim magnetizado de lirismo, fala da dor como um pedido de socorro do nosso organismo e, discutindo o significado da expressão “pessoa invertebrada” como sinônimo de escória ética, atribui aos nossos ossos uma certa dignidade, pelo menos a alguns deles. E então reverencia a coluna vertebral como sustentáculo físico e exemplo da nossa inflexibilidade moral.

O relato de suas vivências médicas deslumbra, porque ele nunca conseguiu separar a atividade clínica, que o fascinava, do viés literário, que o seduzia.

A coletânea agora lançada é o produto requintado de um observador atento das transformações contemporâneas impostas à relação médico/paciente, e traz fragmentos preciosos da vida extraordinária de quem foi autor e personagem, cúmplice e testemunha, e com uma convicção definitiva: a trajetória do homem é o mais rico manancial de todas as artes.

Moacyr Scliar, que já foi definido como um realista mágico, um criador de atmosferas e um domador do fantástico, está de volta. Com cem crônicas que mostram a essência do médico com uma visão holística, social e humanitária.

E ele está à sua espera!

* Cirurgião, presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e colunista do caderno Vida, que participa do debate que será realizado hoje no lançamento do livro

 

territorio-da-emocaoTERRITÓRIO DA EMOÇÃO
Lançamento do livro com crônicas de Moacyr Scliar (Companhia das Letras, 280 páginas, R$ 36), organizado por Regina Zilberman. O evento contará com leitura dramática de crônicas pela atriz Mirna Spritzer e uma mesa-redonda sobre a relação médico-paciente com os médicos J.J. Camargo e Sérgio de Paula Ramos e o escritor Luis Fernando Verissimo.

Entrada franca. Auditório do Centro de Eventos do Amrigs (Ipiranga, 5.311). Hoje às 20h.

Fonte: Zero Hora – Segundo Caderno (10/07/2013)