Redescobrindo Scliar | Fábio Prikladnicki analisa o dever do reconhecimento em “O Ciclo das Águas”

Jornalista e Doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, Fábio Prikladnicki comenta o romance “O Ciclo das Águas” em mais um capítulo da nossa série “Redescobrindo Scliar”. Para Fábio, essa é uma obra que representa a habilidade de Scliar em iluminar grandes questões da sociedade através da literatura. O resto ele conta no texto escrito especialmente para o site. Confiram! •••••••••••• “O Ciclo das Águas” e o dever do reconhecimento Sabia-se pouco a respeito das polacas quando Moacyr Scliar publicou o romance O Ciclo das Águas, em 1975. Na época, a coragem de abordar os mais diferentes aspectos da experiência judaica, enfrentando tabus sociais, já caracterizava a atuação do escritor que estava recém em seu quarto romance – digo “recém” porque depois vieram muitos outros. O Ciclo das Águas foi baseado no relato de uma paciente de Scliar, que atuava como médico no Lar dos Velhos, um asilo judaico localizado em Porto Alegre e em funcionamento até hoje. O próprio autor certa vez registrou que apenas mais tarde, em Buenos Aires, encontraria livros sobre o tráfico de judias da Europa para a América do Sul, onde se tornaram prostitutas. Eram agenciadas pela organização criminosa Zwi Migdal, que funcionou do século 19 até os anos 1930. No Brasil, aonde chegaram a partir de 1867, essas mulheres que fugiam do antissemitismo e da pobreza ficaram conhecidas como polacas, embora viessem também de outros países além da Polônia, usualmente enganadas pela promessa de casamento. Esther, a protagonista de O Ciclo das Águas, inspirada na história da paciente de Scliar, era uma delas. Filha de um mohel em uma aldeia da Polônia, ela se casa com o misterioso Mêndele, sujeito que foi para a América como menino e voltou homem feito, vestindo terno de casimira listrada. Promete fazer dela “rainha da América”, mas as coisas começam a ficar estranhas durante a viagem. Esther desembarca em Porto Alegre em 1929, onde passa a trabalhar em um bordel. Lá, engravida de um cliente. Seu filho, Marcos, estudará História Natural quando jovem, o que proporciona a metáfora da água, presente sob diversas formas ao longo do romance. Depois de O Ciclo das Águas, outros romances sul-americanos abordaram o tema, a exemplo de Jovens Polacas (1993), da brasileira Esther Largman, La Polaca (2003), de Myrtha Schalom, e El Infierno Prometido (2006), de Elsa Drucaroff, ambas escritoras argentinas. No Brasil, inspirou também a peça teatral carioca As Polacas – Flores do Lodo (2011), escrita e dirigida por João das Neves, exibida em Porto Alegre em 2013. E não apenas isso. João Bosco e Aldir Blanc citam as “jovens polacas” na letra da canção O Mestre-Sala dos Mares, que ganhou bela interpretação de Elis Regina em 1974, e o sambista Moreira da Silva compôs Judia Rara para uma polaca que havia sido sua amante: “A rosa não se compara / A essa judia rara / Criada no meu país / Rosa de amor sem espinhos / Diz que são meus seus carinhos / E eu sou um homem feliz”. Sob o manto da ficção, O Ciclo das Águas revela o fato de as polacas terem sido marginalizadas dentro da comunidade judaica. Tiveram de criar, por exemplo, associações de ajuda mútua para construir suas sinagogas e cemitérios, uma luta pela memória que segue até hoje por meio do trabalho de historiadores e historiadoras. Uma abordagem referencial nesse sentido está no livro Baile de Máscaras (Imago), da pesquisadora Beatriz Kushnir, além de inúmeros estudos que têm sido realizados sobre o tema. O que fica da leitura de O Ciclo das Águas é que Scliar encarnou a literatura como farol que ilumina as grandes questões da sociedade. FÁBIO PRIKLADNICKI Jornalista e doutor em Literatura Comparada (UFRGS)

Scliar Lido Por Amigos | Tulio Milman lê trechos de “Do Éden ao Divã: Humor Judaico”

Diretamente da sinagoga da SIBRA, em Porto Alegre, onde muitas vezes encontrou Moacyr Scliar, o jornalista Tulio Milman celebra a obra do escritor lendo duas divertidas anedotas da antologia “Do Éden ao Divã: Humor Judaico”. Para Túlio, os trechos escolhidos reforçam a importância do humor e o poder da palavra na construção de identidade do Judaísmo. ***** SOBRE “DO ÉDEN AO DIVÃ: HUMOR JUDAICO”: Judaísmo e humor são categorias inseparáveis. Ao longo de milênios, o povo judeu foi acumulando um verdadeiro tesouro de histórias, provérbios e anedotas, ao qual se acrescentou o trabalho de grandes escritores. Esta antologia refaz uma trajetória – batizada por risos e sorrisos – que começa na Bíblia e chega até os nossos tempos. Nestas páginas convivem Tevie, o leiteiro, e a mãe judia; Franz Kafka e Woody Allen; psicanalistas e casamenteiros. SOBRE TÚLIO MILMAN: Jornalista do grupo RBS desde 1993, onde atualmente atua como colunista e comentarista. Em mais de 20 anos de carreira, já cobriu os Jogos Olímpicos de Barcelona, Beijin e Londres, além de já ter entrevistado nomes como Mario Vargas Llosa, Michael Dell, Richard Dawkins, Salman Rushdie, Ian McEwan, Mahmoud Abbas, Luc Ferry e Carlo Rovelli. Também é autor do livro “Vença com a Mídia”.  

Scliar Lido Por Amigos | Antônio Torres lê o conto “Barba”

A partir do conto “Barba”, publicado originalmente em 1995 no livro “Contos Reunidos”, o escritor Antônio Torres recupera a veia contista de Moacyr Scliar na série “Scliar Lido Por Amigos”. Para Torres, um imortal da Academia Brasileira de Letras, o conto sintetiza toda a habilidade de Scliar como um narrador minimalista. Assistam!   *****   SOBRE “CONTOS REUNIDOS”: Agrupados neste volume por um critério de afinidade temática, os contos de Moacyr Scliar revelam a força da sua ficção. As relações entre pais e filhos expostas de forma insólita, a Bíblia revisitada sob uma ótica surpreendente, os jogos do poder e da paixão encarados por ângulos inusitados, tudo isso dentro de um clima de humor e fantasia.   SOBRE ANTÔNIO TORRES: Autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra que abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias, além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro – e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O Circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte). Em 2013, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. _

Scliar Lido Por Amigos | Celso Gutfreind lê trecho de “Uma Autobiografia Literária”

“Uma Autobiografia Literária – O texto, ou: a vida” mistura uma antologia de grandes escritos de Moacyr Scliar com a sua própria autobiografia. A obra apresenta textos raros, alguns escritos ainda na adolescência de Scliar. Esse é o livro escolhido pelo escritor e psicanalista Celso Gutfreind para a nossa série “Scliar Lido Por Amigos”. Vem conferir mais essa leitura! ***** SOBRE CELSO GUTFREIND: Escritor e médico, possui mais de 20 livros publicados, entre poemas, contos infanto-juvenis e ensaios. Participou de várias antologias no Brasil e no exterior (França, Argentina, Luxemburgo, Canadá). Sua obra é traduzida para o francês, inglês e espanhol. Recebeu importantes premiações, com destaque para o Prêmio Nacional de Poesia Mario Quintana (1985) e os prêmios Açorianos, Henrique Bertaso para melhor livro de poemas publicado no RS em 1993 e Livro do Ano, da Associação Gaúcha de Escritores, nos anos de 2002 e de 2007. SOBRE “UMA AUTOBIOGRAFIA LITERÁRIA”: A obra mistura autobiografia – a opção paralela pela medicina, o acidente de carro que quase o matou – com uma antologia de grandes momentos da carreira de Scliar – seja como romancista, contista ou cronista. O livro ainda apresenta textos raros, alguns escritos ainda na adolescência de Moacyr. Afinal, como nasce um artista (neste caso, da palavra)?

Scliar Lido Por Amigos | Cíntia Moscovich lê trecho de “O Centauro no Jardim”

Estreando a nossa série Scliar Lido Por Amigos, a escritora Cíntia Moscovich escolheu o clássico “O Centauro no Jardim”, que, segundo ela, é um exemplo perfeito do talento, do senso de humor e da melancolia de Moacyr Scliar como narrador. Imperdível! Confiram! ***** SOBRE “O CENTAURO NO JARDIM”: Lançada em 1980, é uma das obras mais célebres obras de Moacyr Scliar. O livro acompanha a pacata família Tratskovsky, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasce um centauro: um ser metade homem, metade cavalo. Seu nome é Guedali, quarto filho de um casal de imigrantes judeus russos. A partir desse evento fantástico, Moacyr Scliar constrói um romance que se situa entre a fábula e o realismo, evidenciando as dualidades da vida em sociedade. SOBRE CÍNTIA MOSCOVICH: É escritora, jornalista e mestre em Teoria Literária, tendo exercido atividades de professora, tradutora, consultora literária, revisora e assessora de imprensa. Dentre vários prêmios literários conquistados, destaca-se o primeiro lugar no Concurso de Contos Guimarães Rosa, instituído pelo Departamento de Línguas Ibéricas da Radio France Internationale, de Paris, ao qual concorreu com mais de mil e cem outros escritores de língua portuguesa.

Série “Scliar Lido Por Amigos” promove leituras em vídeo de obras do escritor

  Moacyr Scliar costumava dizer que as palavras existem para estabelecer vínculos afetivos entre as pessoas e para criar beleza. Esse conceito inspirou a criação de uma série especial: Scliar Lido Por Amigos, onde a obra do imortal gaúcho será celebrada na voz de personalidades ligadas à medicina, à cultura e ao jornalismo. A cada semana, postaremos um vídeo com a leitura de trechos de contos, crônicas e romances que marcaram diferentes gerações de leitores. São vozes que mexem com a nossa memória afetiva e ajudam a eternizar o legado de Scliar. Convidamos todos a participar dessa troca de experiências, pois palavras de Scliar continuam a formar vínculos afetivos, agora em viva voz. Acompanhem tanto pelo site quanto pela página oficial dedicada ao escritor no Facebook!

Redescobrindo Scliar | Queres saber sobre Porto Alegre?

O ficcionista e professor Luís Roberto Amabile sempre lembra que foi Moacyr Scliar quem o apresentou à cidade de Porto Alegre. Não pessoalmente, mas através das tantas histórias que escreveu usando a capital gaúcha como cenário. Tudo começou com a novela “Mês de Cães Danados”, publicada em 1977. E o que aconteceu dali em diante? Bom, isso o Luís Roberto nos conta abaixo com a sua participação para a série Redescobrindo Scliar. Confiram! •••••••••••• Queres saber de tudo? Queres? Então eu conto. Quem primeiro me apresentou Porto Alegre foi o Moacyr Scliar. Não pessoalmente, mas através de um de seus emissários – como às vezes gosto de chamar esses seres, os personagens, a quem os escritores sopram o fôlego da vida. Encontrei o emissário quando eu era um jovem estudante universitário em São Paulo e ele já era um mendigo com uma perna defeituosa, que mora nas ruas do centro da capital gaúcha, enrolado num poncho, pedindo dinheiro em troca das histórias que conta. O ponto de encontro foi a novela Mês de cães danados (1977). O título se refere a agosto de 1961, quando, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, houve um movimento militar para impedir a posse do vice-presidente, João Goulart, o que, por sua vez, gerou, a partir de Porto Alegre, a resistência que ficou conhecida como a “Campanha da Legalidade”. Queres saber de tudo?, pergunta o mendigo na primeira página. Da Carta de Punta del Este? Da quedado cruzeiro? Do Banco da Província? Do Simca Chambord? Das Cestas de Natal Amaral? Do considerável número de populares bradando viva Jânio? Queres saber de tudo? Queres? Eu queria. Então li e virei as páginas, uma em seguida da outra, ouvindo Mário Picuxa e sua marcante voz narrativa relatar como ele, filho de uma tradicional família dos Pampas, chegou àquela situação de morador de rua. Sim, tem a ver com o contexto da “Campanha da Legalidade”, mas não posso ir além. Para não estragar a experiência de futuros leitores-ouvinte. Posso dizer que Mês de Cães Danados é um caso exemplar de uso do recurso narrativo do flashback, que recupera eventos ou emoções referentes ao personagem. Posso dizer também que na novela o mendigo conhece um homem que pelo sotaque ele acha ser de São Paulo – passa, inclusive, a chamá-lo de Paulista. Em certo momento descreve o centro de Porto Alegre ao forasteiro: Talvez não saibas, porque não és daqui, mas esta via pública chama-se General Câmara. Eu ainda a conheço por seu nome antigo: Rua da Ladeira. É bem movimentada, como podes notar por esta gente que sobe e desce. Estamos aqui em pleno centro da cidade. Ali em baixo é a Rua da Praia, estás vendo? A Rua da Praia é a nossa principal artéria comercial Parágrafos à frente, cita também o prédio de O Correio do Povo, a Catedral, a Assembleia Legislativa, o Palácio. Eu conto então que, meses depois de ter conhecido esse emissário do Moacyr Scliar, vim ao Rio Grande do Sul pela primeira vez. Quis fugir da folia do carnaval paulistano e tomei um ônibus para Bento Gonçalves, ponto de partida de minha viagem pela Serra Gaúcha. Eu não precisava vir a Porto Alegre para tomar o ônibus de volta. Mas fiz questão. E caminhei da rodoviária até o Mercado Público. E depois pela rua da Praia, pela General Câmara. E fui conhecer o O Correio do Povo, a Catedral, da Assembleia, o Palácio… E acho que ouvi, e acho foi mais de uma vez: Queres saber de tudo, Paulista? Queres? LUÍS ROBERTO AMABILE Ficcionista e professor. Doutor em Letras pela PUC-RS.

Redescobrindo Scliar | “Meu filho, o doutor”: Judaísmo, Medicina, Psicanálise e Humor

Judaísmo, medicina, psicanálise e humor: essa é a mistura que dá o tom a “Meu Filho, o Doutor”, livro que o psicanalista Abrão Slavutsky comenta para a série Redescobrindo Scliar, onde amigos e colegas de Moacyr comentam suas obras favoritas do escritor que merecem ser sempre (re)descobertas pelo público. •••••••••••• “Meu filho, o doutor”: Judaísmo, Medicina, Psicanálise e Humor Moacyr Scliar, médico e escritor, está traduzido em dezesseis idiomas. Além disso, é um dos dez ficcionistas brasileiros mais lidos no exterior. Talvez seja o único no País a unir o conhecimento bíblico com a cultura nacional. Além de suas novelas e contos, escreveu muitos ensaios. Sempre aprendi lendo e relendo seus estudos sobre a culpa, a melancolia, a medicina, o humor judaico, a literatura. No seu livro Meu Filho, o Doutor expõe uma breve história tanto da medicina como do judaísmo. No passado, toda mãe judia sonhava em ter um filho ou um genro médico. Aliás, o título do livro é uma referência às mães, em especial às mães judias como a dele. Esse breve ensaio é uma síntese de sua tese de doutorado que defendeu na Escola Nacional de Saúde Pública do Rio de Janeiro. O primeiro capítulo é sobre às raízes históricas da cultura judaica. Destaco a palavra raízes, pois em todos os ensaios do Scliar ele busca as raízes para conhecer o máximo possível do tema investigado. A leitura de Meu Filho, o Doutor é uma breve viagem pela história do povo judeu, a história da Medicina e dos médicos judeus a partir da Idade Média. O resultado dessa dedicação, através dos séculos, foram as conquistas do Prêmio Nobel de Medicina. Cerca de 30% dos ganhadores são médicos judeus. Este é um dado significativo considerando-se que apenas 0,3% da população mundial é judia. Se tivesse que destacar dois heróis do livro, entre tantos, seriam Maimônides e Sigmund Freud, a quem o autor dedica dois capítulos. Moses ben Maimon, nome completo de Maimônides, foi o médico-filósofo judeu mais famoso da Idade Média. Foi um herói também no mundo árabe, tanto que era o médico do Sultão, de sua família e de toda a corte do Cairo. Ademais, influenciou São Tomás de Aquino quanto às relações entre a Fé e a Razão. Além de ser uma referência médica, foi um intérprete essencial do Talmud até os dias atuais. O outro herói para Moacyr Scliar foi Sigmund Freud, a quem dedica dois capítulos do livro: “Psicanálise e judaísmo” e “Psicanálise, judaísmo, literatura”. O escritor nascido no Bom Fim que conquistou o mundo era um entusiasta de Freud, sem perder sua capacidade crítica. Teve vários analistas e pôde vivenciar a importância da análise. Conheci Freud na biblioteca do Scliar, ele tinha a coleção completa da Imago que seu pai havia comprado de presente a seu pedido. Meu Filho, o Doutor tem ainda muito do humor judaico sobre as mães judias, seus filhos e piadas sobre os médicos. Sim, porque ao lado da exaltação da profissão de curar tem a rebeldia do humor. Enfim, num livro de pouco mais de cem páginas, Moacyr Scliar escreve uma síntese de algumas de suas principais paixões: Medicina, Judaísmo, Psicanálise, Literatura e Humor. ABRÃO SLAVUTSKY Psicanalista